Festa de Nossa Senhora do Rosário
Narrativas
A memória é importante para discutir as múltiplas práticas que envolvem a Festa de Nossa Senhora do Rosário. Dessa forma, as narrativas dos participantes da festa trazem as lembranças de outros tempos que permanecem vivas. Por meio dos depoimentos orais dos participantes, é possível conhecer a memória das pessoas que dela participam e valorizar as histórias individuais e coletivas, na perspectiva de compreender como essa festa é vivida e praticada pela comunidade negra de Balneário Piçarras.
Por meio das narrativas, evidenciam-se a devoção, as celebrações, as resistências e as transformações ocorridas ao longo do tempo, o que nos permite compreender os laços que unem a comunidade negra dentro dessa territorialidade.. Dessa maneira, as histórias narradas a partir memórias dos participantes da festa geram reflexões que nos permitem compreender o processo de ressignificação da festas afro-brasileiras ao longo do tempo.
Você terá acesso a fragmentos de memórias sobre a Festa de Nossa Senhora do Rosário por meio das narrativas orais obtidas em entrevistas, utilizando a metodologia da História Oral. Algumas entrevistas foram disponibilizadas pela Fundação Municipal de Cultura, por meio do projeto “Mestre dos Saberes”, e outras foram realizadas pela autora da dissertação.

Ivo Carlos Rodrigues nasceu em Balneário Piçarras em 1955. Ele é praticante da festa desde sua infância, tendo herdado de sua família a responsabilidade de dar continuidade à festa de Nossa Senhora do Rosário em Balneário Piçarras. Atualmente, é um dos responsáveis pela organização da festa, junto à comunidade afro-brasileira da região.
Ivo Carlos Rodrigues
Trecho 1: “A nossa festa é o seguinte: nós temos a escolha de um casal, um rei e uma rainha. Então, eles têm um ano pra se preparar. A gente faz essa festa anual. Eles têm que fazer a organização da festa. Nós temos um grupo que corre atrás, corre junto. Então, esse grupo orienta eles como fazer. Daí tem a questão de que eles vão escolher as pessoas que eles querem levar como convidados deles, de primeira linha, que são os juízes, um casal de pajem, o pajem do rei, o pajem da rainha, juízes e convidados. Então, essas pessoas que eles convidam são as pessoas em que eles confiam, que, se algum problema existir, eles cobrem. Eles cobrem, eles sustentam, não vai deixar de acontecer a festa. Vamos dizer assim...se, porventura...como já aconteceu: o rei faleceu. Foi ele, foi escolhido, como que a gente tem uma nomeação de escolha e tal, e ele veio a falecer. Se ele já estava se sentindo mal e tal: “Se eu vier a falecer, o meu filho assume.” Isso era a vontade dele e foi respeitado. E, se não é ele, o filho, a assumir, então uma pessoa que nós chamamos de cortejo, assume o lugar dele. Mas desde que esteja aí, tem uma hierarquia: tem fulano, beltrano, sicrano, primeiro juiz, segundo juiz, terceiro, quarto...até chegar...vai havendo essa escolha através dessa hierarquia.”
Trecho 2:“Juiz de mastro, que antigamente - hoje a gente já não faz isso - antigamente a gente fazia um mastro, uma árvore, um pau de mastro, e ali aquele pau era enfeitado com flores. Era função dele, de ir no mato, sei lá, em algum lugar. Ele ia plantar na frente da igreja ou do salão, num ponto onde a festa seria celebrada. E ali era obrigação dele de enfeitar aquele pau ali, aquele mastro. Aí, ali começa a festa, naquele momento. Agora vamos celebrar o mastro. Aí ele dava o jantar. Por exemplo: a festa do Domingos, ele dava a janta de sábado. Todo mundo estava em função, já no sábado, do trabalho. Terminava os trabalhos sábado, agora vamos comer e fazer a refeição da noite, que era o jantar servido pelo juiz de mastro. Ainda acontece, mas nós fazemos assim hoje: lá na casa do Helinho, o mastro nós fazemos um arco de balões, de flores e a janta acontece. O juiz de mastro oferece. Aí, fez aquilo ali, aí vamos lá no salão, que as mulheres já estão cansadas de estar preparando. A gente janta lá. Daí, essa janta daquele dia, daquela noite, é oferecida pelo juiz de mastro.”
Trecho 3: “Sim, desde criança tenho lembrança da festa. Em tempos atrás - olha só como era dificultoso - não sei se tu conhece o bairro Lagoa aqui? Fazia a festa na Penha, como falei, e saiam cantando a pé, cantando e dançando a pé daqui até a igreja, daqui da Lagoa, que os festeiros eram da Lagoa.”

Domingos Ignácio nasceu em Balneário Piçarras, em 1952. Participa da festa desde a infância e carrega em sua história a participação da família na festa há gerações.
Domingos Ignácio
Trecho 1: “A origem da festa, ela é africana, né? Ela é africana, é! Ela veio da África, pra cá. Aqui, gerou-se, onde é o Catumbi, hoje! É o que achamos, né? O Catumbi é africano. Então, foi o meu bisavô que trouxe pra cá! Agora, de que forma, de que jeito? Também não sei, né?!”
Trecho 2: “Já estava no berço, já estava participando da festa. A minha mãe ia para uma festa, levava nós junto; nós já estávamos participando da festa desde (risos), desde o berço, desde que nasci! Claro, depois, eu comecei a entender a festa, ali com oito, nove anos; a gente já começou a entender de que jeito era feita a festa. Hoje, é bem diferente do que era antes. Antes, era feito nas casas. Era feito tudo nas casas! Não existia uma cerveja; não tinha nada disso, era só bebida quente que fazia!”
Trecho 3: “Dentro da Igreja, na hora da missa, tocado ali, né? Que hoje, a missa também é bem diferente. E, na minha visão, a missa hoje é mais bonita do que lá atrás! É bem mais bonita a missa hoje, porque tem mais som, sabe? Tem mais pessoas que já estudam, por exemplo, uma cultura lá da África, trazem pra ali, né? E é muito bom! Eu queria que vocês fossem lá e dessem uma olhada na festa. Vou ter esse prazer de levar vocês lá pra conhecer!”
Trecho 4: “A fé. É a fé e a vontade de fazer a festa! E, se não tiver vontade, fica em casa; não vai fazer, nem começa. Tem que ter vontade e a fé. Mas a fé é que envolve mais ainda; a fé é muito importante!”

Maria das Graças Ignácio nasceu em Balneário Piçarras em 1962. Participa da festa desde a infância e narra como acompanhava sua família nas celebrações. Em sua memória, ela destaca como o preconceito está presente na sociedade.
Maria das Graças Ignácio
Trecho 1: “Eu participava, eu ia lá para a festa e comia, enfim. Não sempre, de vez em quando, um ano sim, outro não. Isso variava, né? Porque nem sempre a mãe ia. Era um ano sim e um ano não, não era sempre que eu ia. Por que as meninas ficavam mais reservadas, eles tinham um cuidado especial com as meninas. Então, era bem pouca...as mulheres, só as mulheres já formadas, elas então participavam, né? E as meninas? A gente era menina, ficava em casa, ou às vezes ia, acompanhava...(risos).”
Trecho 2: “Bom, porque na celebração não tem distinção. Não existe distinção, porque Deus não fez distinção de pessoa; não escolheu nem negros nem brancos. Então, o conteúdo da celebração está dentro desse parâmetro ali, né? Então, você para, pensa e reflete depois: existe tanto preconceito, existe, porque nós vivemos o preconceito, queira a gente queira ou não. A gente sabe que o negro é marginalizado em todas as áreas. O negro não pode exercer uma função de valor mais alto, o salário dele tem que ser menor. Por quê? Porque ele é discriminado. Então, é uma coisa assim: onde está a celebração, ela... os celebrantes fazem com que os que lá estão possam abrir os olhos para isso. Porque, hoje em dia, não é só o preconceito racial, tem preconceito social. Então, não é só de cor; há entre brancos e brancos também, sim, esse preconceito de que um e outro, quanto mais claro ou escuro, sempre estão com preconceito, não é? Então, para mim, a celebração é essencial.”
Trecho 3: “É, hoje, agora ela é em outubro, mas sempre foi dia 26 de dezembro, porque era considerado o Natal dos pretos. Por que? Porque Natal dos Pretos? Porque os senhores faziam a festa no Natal, no dia 25, e eles só iam lá para servir eles. E no dia 26, eles aproveitavam o que sobrava e faziam o Natal, ali.”
Trecho 4: “Eles vinham tudo caminhando, caminhando pra casa do rei pro almoço. Naquele tempo, eu lembro que a avó ia nas casa das pessoas pedir prenda. Eles pediam prenda naquele tempo pra festa. Aí, um dava uma galinha, outro dava uma coisa, porque como era uma coisa que ia ser dividida e não era só para um comer, mas para muitas pessoas comerem, então um dava uma galinha, um dava banha, porque naquele tempo se usava mais banha, outro dava um pedaço de carne e assim sucessivamente. Outro dava ovos para fazer o bolo, trigo. Sim, eu lembro da minha avó assando as galinhas lá no forno de pão, de tijolos. Isso aí eu lembro dela assando as galinhas. Era isso que fazia com que a festa desse andamento, através de doações pra alimentação. Como tem hoje, ainda existe a doação pra vários santos que tem, que se comemora, cada um sai, pede, ou traz um arroz, ou traz um óleo, traz alguma coisa assim, enfim, o que é necessário para fazer um almoço, não é?”

Tânia de Fátima da Silva Rodrigues nasceu em Balneário Piçarras, em 1959. Participa da festa desde a infância e, junto com o seu marido, Ivo Rodrigues, carrega a incumbência de organizar a festa em Balneário Piçarras.
Tânia de Fátima da Silva Rodrigues
Trecho 1: “A Festa Nossa do Rosário é o dia da festa, dia 07. Mas é aí que nós tivemos o problema ,como nós fazíamos sempre dia 25 ou 26 de dezembro, tá? Porque, em Itapocu, nós precisamos dos dançantes de lá. Porque, em Itapocu, eles fazem a festa deles é dia 25 e dia 26 é a entrega da coroa deles, então nós dependíamos deles. Aí nós fazíamos dia 27. Teve anos, que nós fizemos até dia 30. E era muito corrido, porque o pessoal vem de Joinville pra Itapocu, pra vir para cá, né? E Itajaí vir pra cá, eles têm que vir muito cedo, demais. Mas nós começávamos a missa às dez, com o movimento que tinha em dezembro - tu sabe que é terrível. Joinville cansou de chegar mais atrasado. Aí nós combinamos em uma reunião: vamos mudar a data. Teve anos que fizemos dia 30, dia 31. Nós tínhamos que entregar o salão e limpar, então a gente estava morto de cansado. E aí já tinha Natal, já dia a dia, primeiro de ano, aquela coisa toda. Então, nós vamos mudar. Todo mundo aceita? Aí chamamos o pessoal: ‘vamos, vamos mudar para outubro, que, quando chegar dezembro, nós já estamos descansados, as visitas, a maioria, já tem ido embora.’”
Trecho 2: “A comunidade sempre vai à festa, e eu acho que isso é importante. Por quê? Porque, por exemplo, tem gente aqui na nossa comunidade que nem conhecia a festa. Os mais antigos, sim, que já vêm de tradição da festa, mas o jovem, não. E hoje o jovem vai por que quer conhecer, ele quer saber como é que funciona. Então, é muito bom pra gente.”
Trecho 3: “A rainha, ela só pode usar duas cores. Ela só pode usar o azul ou só pode usar rosa. Tu tá entendendo? Porque a cor da Nossa Senhora é de acordo. Aí ela escolhe uma cor. Se a rainha vier de azul, o cortejo vem de rosa. E, se ela escolher vir de rosa, o cortejo é de azul. O que não pode é o cortejo usar a mesma cor da rainha. Então, o destaque é a rainha.”
Trecho 4: “Essa coroa é tão antiga. Essa coroa, quando eu recebi pra mim ficar eu já peguei, eu já ganhei a coroa. Foi Tio Magíco que me deu a coroa, pra nós tocarmos a festa. Essa coroa já existia, uma vez já caiu coisas, mandamos soldar. Aí nós emprestamos também para a festa do Itajaí, lá com Bento, lá com essa turma, nós emprestávamos essa mesma coroa, até que eles mandaram fazer uma coroa para eles. Essa coroa é muito antiga. Eu não tenho ideia, pra te falar a verdade. Falar bem a verdade tão antiga que é.”
Trecho 5: “Porque a missa é tão linda para mim que ela me emociona toda a vida. Todos os anos, eu acho a missa o principal da festa. Não é a comida, não é a bebida, nem o pagode. É a missa. Eu acho linda a missa. Ele parece tocar o teu coração. Tu tá entendendo? E ali dentro, tu vai e vê que a pessoa que foi à missa é a pessoa que tem fé. Não é a pessoa que vem pro almoço. É que tem muita gente que vem para o almoço sem fé. Ele vem, almoça, dança, vai o pagode à tarde, mas ele não vê o principal.”
Trecho 6: “Então, o sentido do o Rei da Rainha é o sentido de que ali foi nomeado rei. Ele é o rei afro, ele é um rei afro. Quando o negro veio pro Brasil, tinha muito negro que era rei na terra dele. Aqui, que ele perdeu o reinado, mas ele é o rei, porque, na realidade, ele é o rei o ano inteiro. É só coroar aquele dia e, também, já deixa a coroa. Então esse é o sentido da coroação."

Ivia Fátima Rodrigues nasceu em Itajaí, em 1983. Ela representa a nova geração e participa de maneira atuante na organização da festa, junto com seus pais, Ivo e Tânia. Na foto, Ivia com sua filha, Maria de Lourdes.
Ivia Fátima Rodrigues
Trecho 1: “Se eu falo da Festa do Rosário, falo da minha vida, porque eu me vejo criança desde o momento que a festa era na Penha, onde os meus pais foram reis. E, antes de serem reis, eu já era criança na frente do estandarte de Nossa Senhora. Então, assim, se eu tenho 41 anos hoje, eu posso dizer que há 39 já participo da festa ativamente, porque a minha mãe já me vestia de branco e já me levava para fazer parte da frente de Nossa Senhora, assim como todos os meus primos, todos os meus grandes amigos. Falam também uma hierarquia: você começa criança no estandarte da Nossa Senhora, leva na frente a bandeira, depois você passa a carregar a bandeira ou o estandarte, depois você é convidado a ser juiz, ajudante, depois você começar a ser juiz, e depois é convidado a ser pajem. Depois, você começar a ser rei, e assim sucessivamente, em uma hierarquia que vai trazendo na sua história.”
Trecho 2: “Naquele dia, que todo mundo se sente bonito - que é criança, que usa cabelo crespo, que na escola é feio – lá, ela é linda. Ela é mais uma linda. Se ela for de cabelo preso na festa, ou também não for, mas... ela vai de cabelo solto. Que o menino, que queria fazer uma trança, ele guarda para fazer a trança para usar no dia da festa. Quiser usar o turbante, usar uma maquiagem forte, quiser usar muito bijuteria - o que quiser usar - é nesse dia. É um dia de explosão, que fala de autoestima, de explosão de autoestima.”
Trecho 3: "Falta muita representatividade, as nossas crianças não se veem, né? Sim, as nossas crianças não se veem. E daí quando elas se veem na casa do Rosário e se vê iguais, lindas, todas. É como eu falo sempre, Sim, são valorizadas E é isso que eu penso assim."
Trecho 4: “E a rainha tem duas opções: ela pode escolher o rosa ou o azul, em menção ao manto da Nossa Senhora. Uma vez que ela escolhe azul, as juízas vão de rosa; uma vez que ela escolhe rosa, a juízas vão de azul. Os pajens sempre vão de branco, as crianças sempre vão de branco e os carregadores da santa sempre vão de branco. Os homens sempre usam terno escuro, preto ou azul marinho. E aí, as gravatas vão depender do que o rei acha. Às vezes, o rei manda fazer as gravatas, faz tudo borboleta, junto com a cor do eKête que ele escolheu ,a estampa da festa. O rei escolhe, com a rainha, a estampa da festa. Tudo vai ser naqueles tons.”

Maria Conceição Pereira, nascida em Itajaí em 1954, tem em sua trajetória a luta contra o racismo. É reconhecida como uma importante organizadora do evento desde a década de 1990.
Maria Conceição Pereira
Trecho 1: “Tem na questão política e social. E tem a questão política, tem na questão de defesa dos direitos da sociedade, enquanto população negra. É uma festa de resistência, sim, é uma festa de luta, sim, ela é religiosa, né? Mas ela não é só religiosa. Esse significado de lutar, de resistir, de mostrar a força que temos e transmitir isso para nossas filhas, os nossos netos, para os nossos jovens, esse é o significado. Essa nossa maior, a nossa maior luta é contra o racismo, é contra esse racismo estrutural.”
Trecho 2: “Em dezembro, ela era intitulada Festa do Rosário e Natal dos Pretos, né? Porque a história conta, né a história contada pelos nossos ancestrais que eles não tinham o Natal, não tinham feriado, eles não tinham férias, eles não tinham folga. A única folga que eles tinham era 26 de dezembro, que passado o Natal, os senhores davam pra eles aquilo que sobrava e dava um dia de folga. E aí eles festejavam o Natal e cultuavam Nossa Senhora do Rosário. Então ela tinha esse título. E por muitos anos, porque ela agora ela passou por outubro, não tem uns...olha, brincando aí, tem seis, sete anos.”
Trecho 3: “Sim, porque, assim, a questão racial é isso: ela precisa ser vencida a cada dia. Ela não é uma questão da população negra; a questão racial é uma questão a ser vivida por toda a sociedade. Enquanto isso não acontecer, não haverá essa tão falada igualdade racial, que é luta, luta de todos. Então, tu não precisa ser negra pra defender a questão. E a questão da Léa e do Oscar... são pessoas que sempre estiveram com a gente, sempre ajudando, sempre. A Léa é daquele jeitinho meigo, com aquele seu avental e essa faquinha na mão. Até hoje ela tá lá cortando repolho, cortando cenoura, descascando batata. Todos os anos pedindo doações. Tem não sei o que, ela pede 50 quilos de batata. Então, são pessoas envolvidas que lutam pela causa, independente da cor. Entende? Aqui não tem muito esse mito de que, pra defender a questão racial, tem que ser negro, não. Não tem que ser negro, tem que ser todos. Então, qualquer pessoa que tenha esse envolvimento, que tenha essa fé, como a Léa, uma pessoa muito devota... São essas pessoas, as pessoas que fazem parte desse contexto e que têm essa vontade, podem ser reis do Rosário.”
Trecho 4: “Eles vão receber a coroa para começar a trabalhar pela festa. O Reisado do Rosário é um reisado de trabalho. Não é um Reisado de mando, de soberba, não, é de trabalho. Qual é o trabalho deles? Trabalhar pela festa, divulgar, esclarecer e fazer várias visitas às pessoas que vão trabalhar com eles no cortejo. É fazer esse trabalho, que culmina com a missa e o almoço. É pedir as doações, é pedir, porque a gente nunca quis fugir do original, que, depois de libertação dos escravos e tudo isso, um levava um frango, um levava um marreco, um levava um porco, um dava um boi. O almoço sempre foi feito com doações. E é isso que a gente mantém até hoje. Passou-se a cobrar essa cerveja, foi a briga de alguns anos. É porque a bebida, a gente tem compromisso com a comida. A bebida é a parte, gente, tira esse peso dos reis, que é o caso de uma festa que é bebida e comida. Aí, a gente mantém essa questão das doações.”
Trecho 5: “Quando eu comecei, o padre Celso aceitava, e ele que, cada vez mais, sempre incentivava que o Catumbi também estivesse dentro da igreja. Depois que ele saiu, mesmo em Piçarras, mesmo na Igreja Matriz, tivemos alguns conflitos com os padres, mas aí a gente já tinha dado alguns passos, alguns avanços. A gente já tinha autorização do arcebispo, que era, na época, o Dom Angélico de Blumenau, responsável por toda aquela cúria, que também fez parte da Irmandade dos Homens Pretos, em São Paulo. Então os padres, eles não tinham como negar. O bispo era Dom Angélico Sândalo. Inclusive, naquela foto ele aparece no altar com o padre Celso. Ele veio no ano 2000. Ele veio a convite do padre Celso, conhecer a missa, porque o padre Celso sabia que ele tinha feito parte da Irmandade dos Homens Pretos de São Paulo, e convidou, e ele veio conhecer a missa. E dali ele ficou alguns anos com a gente, vindo todos os anos, até quando ele voltou pra São Paulo.”

Marilda Madalena de Souza, neta de Antônio Ignácio, filha de Alda Madalena de Souza, teve sua família representada na Festa em 1995, quando sua mãe e seu irmão, Jorge Antônio de Souza Filho, foram coroados rei e rainha.
Marilda Madalena de Souza
Trecho 1: "Ah, com certeza! É que eu acho que antigamente não era fácil para o negro sobreviver, né? Por tudo que ele passava. Até pelo que a gente estudava - nos estudos, mostravam sempre o negro sofrido, o negro sendo judiado. Mas hoje não. Mesmo a gente trazendo essa festa, nós trazemos o lado mais humano. Tá mudando a visão do homem hoje em questão ao negro, a vida dele em sociedade, e dentro da sociedade."
Trecho 2: "Da minha mãe, foi muito emocionante para nós, como filho, né? Eu carreguei até a bandeira! Nossa, foi muito especial! Muito, muito especial mesmo! Foi uma coisa que nunca tinha vivido. Mesmo que você participe, mas, quando você está ali, naquele momento, é através da Nossa Senhora do Rosário que nos dá força, esperança, e muitos vêm em busca de uma cura, né? Que é uma crença; o pessoal confia muito na Senhora do Rosário. Fazem até promessa, e, tendo a sua graça, acompanham a festa até hoje."