Festa de Nossa Senhora do Rosário
“Naquele dia, que todo mundo se sente bonito - que é criança, que usa cabelo crespo, que na escola é feio – lá, ela é linda.
Ela é mais uma linda. Se ela for de cabelo preso na festa, ou também não for, mas... ela vai de cabelo solto.
Que o menino, que queria fazer uma trança, ele guarda para fazer a trança para usar no dia da festa. Quiser usar o turbante, usar uma maquiagem forte, quiser usar muito bijuteria - o que quiser usar - é nesse dia. É um dia de explosão, que fala de autoestima, de explosão de autoestima.”
Ivia Rodrigues, 2024
Mulheres e Fé:
A agência feminina nas festas de Nossa Senhora do Rosário pode ser analisada como elemento fundamental na manutenção dessa celebração. As mulheres desempenham papéis centrais tanto na celebração religiosa, quanto na continuidade da festa.
Elas são responsáveis pela preparação dos alimentos, pela decoração dos espaços sagrados e pela organização das procissões e celebrações. Essas mulheres assumem funções que possibilitam a permanência da festa, garantindo a realização das novenas e outros rituais de devoção. Através das narrativas das participantes da festa, percebe-se que a atuação das mulheres na festa de Nossa Senhora do Rosário vai além da execução das tarefas. Elas são responsáveis por manter a linha mestra que conecta os laços familiares e religiosos.
Apresentamos a seguir algumas mulheres que, ao longo do tempo, desempenharam papéis fundamentais na festa. Embora haja muitas outras que também são protagonistas desse evento, é necessário expandir essa pesquisa para incluir as contribuições relevantes.

Fonte: Maria Conceição Pereira, 2024.
Maria Conceição Pereira
Maria Conceição Pereira nasceu em Itajaí, em 1954, e faleceu em 2025. Ao longo de sua trajetória, deixou um legado marcado por sua dedicação como organizadora da Festa do Rosário, na qual atuou desde a década de 1990. Em 2017, foi coroada rainha da festa, reafirmando sua ligação com essa tradição.
Professora aposentada da rede estadual, desempenhou um papel relevante na promoção de uma educação antirracista. Fundou o Instituto de Inclusão Social Isabel Costa, em Itajaí, onde desenvolveu pesquisas voltadas à população negra, e esteve sempre engajada em debates sobre políticas públicas de igualdade racial. Também foi titular da Coordenadoria da Promoção da Igualdade Racial de Itajaí, contribuindo ativamente para o fortalecimento da luta contra o racismo.
Era responsável pelo cerimonial da Festa do Rosário e pela coordenação do diálogo com os padres, função que compartilhava com a nova geração, composta em sua maioria por seus parentes, garantindo a continuidade das tradições e do espírito comunitário da celebração.
Sua caminhada foi marcada pela luta, e muitos desafios precisaram ser enfrentados para que a Festa do Rosário se mantivesse ao longo dos anos, especialmente nas relações com os padres que estiveram à frente da paróquia. Conceição recordava que o Padre Celso Antônio Marquetti e o Padre Fabian Marcelino Capistrano foram grandes aliados, oferecendo sugestões para a elaboração do cerimonial e contribuindo de forma significativa para a realização da festa.
Para Conceição, a Festa do Rosário sempre teve um grande significado na luta contra o racismo, e afirmava ser essencial que essa mensagem estivesse presente em tudo o que era preparado, como forma de trazer ao público essa discussão tão necessária.
“Olha, eu diria: de toda a organização, de toda a organização. Até porque na questão racial, na questão negra, as mulheres sempre foram elas que tomaram as decisões - as maiores, né? Na libertação dos escravos. A libertação dos escravos não começa com a assinatura da Lei Áurea. Começa com a mobilização das mulheres negras, que lavavam, passavam, engomavam, ganhavam um dinheirinho e compravam as cartas de alforria dos maridos, dos companheiros. Então, desde que saíram de África, as mulheres, elas sempre...as mulheres negras - elas sempre tiveram um domínio. As pretas velhas, rezadeiras, as cozinheiras...então elas.... Zumbi, o grande nome, mas por trás de Zumbi tinha Dandara. É, se for ver toda a história, os homens tinham a força. Eles tinham coragem de dizer, mas quem orquestrava nos bastidores eram as mulheres. E, ainda hoje, na festa do Rosário, se tu for numa reunião, que fala é a mulherada. Risos...”

Fonte: Cleiton Reinert, 2017.
Ivia Fátima Rodrigues
Ivia Fátima Rodrigues representa a nova geração envolvida na Festa de Nossa Senhora do Rosário. Filha de Tânia de Fátima Rodrigues e Ivo Rodrigues, ela é formada em Enfermagem, com mestrado na área, e atualmente trabalha na Secretaria de Saúde de Balneário Piçarras, além de ser professora universitária. Ívia destaca que falar sobre a festa do Rosário é falar sobre sua própria vida, pois participa da celebração desde a infância, quando acompanhava o cortejo. Em 2000, aos 18 anos, foi rainha da festa, um papel que a motivou a incentivar e fortalecer toda uma geração de jovens a se envolver na celebração. Para Ívia, a festa tem um significado profundo de luta contra o preconceito, sendo uma forma de resistência do povo negro ao longo do tempo. Ela enfatiza a importância da festa como um símbolo de resistência cultural e também de autoestima para a população afro-brasileira. Segundo ela, a festa é um momento de celebração e reconhecimento, um espaço onde todos podem se ver e se orgulhar de sua identidade.
Ívia acredita que a festa deva ser reconhecida em todos os espaços, para que mais pessoas a conheçam, participem e entendam seu verdadeiro significado para a cidade. Ela também reforça que a festa e toda a cultura que ela carrega devem ser incorporadas ao espaço escolar, para que as crianças negras se reconheçam e se sintam motivadas a participar desse importante movimento.
“Eu acho que ela sempre foi uma festa gerenciada por mulheres. Uma vez a gente teve como exemplo muito grande a tia Lóca, a minha vó, a dona Cema. A gente teve mulheres gigantes, assim, que tomavam conta de tudo e, quando tudo dava errado, elas resolviam entre elas, sabe? Tipo: “Vamos lá na casa da Lóca agora, sentar e conversar.” Ali, elas resolviam entre elas. E a tia Dina...então nós temos mulheres assim, icônicas, que resolveram tudo a vida inteira. Então, desta forma, acontece. A festa não existe sem as mulheres. Ponto, né? Então, elas dão conta de tudo. De tudo. Então, não é necessário - não estou desmerecendo nenhum tipo de gênero, né? Por que a festa é mais a auto estima feminina do que masculina. As mulheres têm uma necessidade de pôr... Raquel, Zana...elas veem a necessidade de continuar o legado da mãe delas. A minha mãe, da mesma forma. E eu faria da mesma forma. A minha prima, da mesma forma. A minha tia foi pajem cinco vezes, então, pra minha prima é essencial a festa. A Pauline...a mãe dela. A Kelly... a mãe dela foi rainha. Avó dela foi a vida inteira. A gente fala: “Descascador oficial de batata da seleção”, porque era a senhora que pegava a sua faca e já estava lá, o dia inteiro, descascando de tudo, o dia inteiro, sentadinha, quieta, conversando com as outras. É legado pra gente. É essencial. A minha filha vê isso: “Mãe, eu não vou ter nada para fazer?” Vai. A gente via achar um trecho pra ti, calma. A minha sobrinha também. Então a gente tem essa necessidade de estar na festa."

Fonte: Pedro Garcia, 2024.
Tânia de Fátima da Silva Rodrigues
Tânia de Fátima da Silva Rodrigues carrega em seu legado a rica tradição de sua família na Festa de Nossa Senhora do Rosário. Foi rainha da festa em 1994. Sobrinha do Senhor Armágio Magico e Dona Lóca, ela guarda com carinho as lembranças mais significativas de sua trajetória, especialmente quando seus tios confiaram a ela e seu esposo, Ivo Rodrigues, a organização da festa. Mulher de fé inabalável em Nossa Senhora do Rosário, Tânia, ao lado do seu marido, trabalhou arduamente para criar seus filhos, que participam ativamente da festa.
Desde criança, ela acompanhava a festa com seus pais, e já adulta foi rainha da festa, o que reforça ainda mais o seu compromisso com a tradição. Tânia fala com orgulho sobre sua luta para garantir que a festa continue a ser celebrada pelas futuras gerações. Em sua caminhada, ela compartilha as dificuldades enfrentadas como o preconceito, e destaca a perseverança necessária para superar os desafios e manter viva essa importante festa. Ela enfatiza o papel fundamental das mulheres na organização da festa, lembrando que, no passado, outras mulheres desempenharam esse papel. Tânia destaca ainda que essa responsabilidade é transmitida às novas gerações, garantindo a continuidade e o fortalecimento do legado das mulheres na celebração de Nossa Senhora do Rosário.
“Por que tu vês, a maioria é mulher. Tem os homens, um ou dois, mas a maioria das mulheres que fazem leitura. Então, a mulherada, é fundamental na festa. Na realidade, eu pouco vou para a cozinha, sou palpiteira. A Zânia é uma mulher forte na cozinha, sabe? A Raquel também ajuda na cozinha. A Jurema também ajudava, mas a Jurema agora já não vem mais, porque já está muito cansada. A Salete agora está muito doente. A Eliane, que é mulher do Mauricio, que nos ajuda muito, vem a irmã junto, a Lisete. Nós temos um bom quadro de ajudantes e mulheres realmente que trabalham, né? A Raquel tempera as carnes, tempera os frangos, deixa isso aí. Essa é a mão do nosso povo, da mulherada.”

Fonte: Jornal Hora Certa, 1997.
Olívia Eduarda Cândido
Olívia Eduarda Cândido, conhecida como Dona Cucha, nasceu em 1920 e faleceu em 2021. Ao longo de sua vida, dedicou-se profundamente à família, cuidando dos seus filhos, netos e bisnetos. Segundo relatos orais de seus familiares, sempre foi uma mulher empenhada na festa de Nossa Senhora do Rosário. Sua neta Maria recorda com carinho como a vó ia na comunidade pedir “prenda “para a festa.
Além disso, Maria guarda na memória a imagem da avó assando galinha para o almoço da festa, no forno de tijolos, nos fundos da casa. Outros participantes da festa, até hoje, lembram com afeto e gratidão da dedicação de Dona Cucha à celebração do Rosário, uma marca de sua trajetória de vida. Seu filho, Domingos Ignácio, lembra da época em que sua mãe foi rainha da festa do Rosário, na época ele era adolescente e acompanhou a família durante os festejos.
“Alegria contagiante esconde os anos marcadas pelas profundas rugas no rosto. Olívia Eduarda Cândido, a conhecida Dona Cucha é dessas mães que não para. Criou os seis filhos pequenos adotados do casamento com o seu Antônio, teve mais nove e hoje ajuda a criar netos e bisnetos. Sua casa é um verdadeiro colo de mãe, que acolhe todos com dedicação e carinho”.
(Trecho do artigo do jornal Hora certa, intitulado: Vida de mãe. Balneário Piçarras, 09 de maio de 1997).























