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HISTÓRIA


Povos
Originários

    A história da região  de Penha e Balneário Piçarras está diretamente ligada aos povos que habitaram essa região há milhares de anos.  São povos originários cujas  marcas podem ser encontradas ao longo de todo o litoral catarinense, incluindo essa região. Esses povos são denominados de  “sambaquis”. Acredita-se que os guaranis possam ser descendentes desses primeiros habitantes.  Com a chegada dos europeus, os povos indígenas que habitavam a região passaram a ser chamados de Carijós, um grupo pertencente à etnia Guarani, que ocupava diversas partes do território brasileiro (Silva, 2002).

  Atualmente, os vestígios dos povos originários permanecem na nomenclatura de localidades da região. Essa presença indígena também pode ser observada em registros históricos, como no trecho descrito pelo naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire.

Encontram-se alguns traços de sangue indígena nos habitantes desse trecho de costa; segundo me informaram, elles, porém, vão desaparecendo aos poucos em virtude de, continuamente, se estabelecerem ali homens da ilha de Santa Catharina que, na maioria, são originários das ilhas dos açores e de pura raça caucásica (Saint-Hilaire, 1936, p. 128).

     Os municípios de Penha e Piçarras tiveram início com a fundação da Armação do Itapocorói. Inicialmente, a comunidade de Itapocorói funcionava como um ponto estratégico de abastecimento, descanso e comércio, servindo de elo entre a população local e os viajantes que transitavam pelas rotas entre Nossa Senhora do Desterro e São Francisco do Sul. Além disso, um fator crucial para o desenvolvimento da vila foi a oportunidade de estabelecer uma armação de captura e beneficiamento de baleias (krieger, 2018). Foi nesse contexto que, na região da Enseada do Itapocorói, foi estabelecida a armação do Itapocorói, núcleo inicial dos municípios de Penha e de Piçarras. 

   De acordo com as  anotações de Auguste de Saint-Hilaire (1936), a fabricação do óleo da baleia era uma atividade realizada pelos negros escravizados, enquanto a pesca contava com a participação de  homens livres, como observou o naturalista durante sua passagem pela região, em abril 1820. Com a venda da armação e o declínio  da pesca da baleia, muitos negros foram encaminhados pelo governo para outras localidades da província. Após a abolição da escravidão, em 1888, muitos desses homens e mulheres, agora livres,  estabeleceram-se nas regiões que hoje correspondem aos municípios de Penha e Balneário Piçarras, onde passaram a se dedicar à crescente produção agrícola, atividade que estava em expansão naquele período (Silva, 1994).

    Segundo Jane Cardozo da Silveira (2006), o povoado de Itapocorói era constituído por indígenas, paulistas, vicentistas e açorianos provenientes de Desterro e também por negros escravizados, que foram trazidos após a instalação das armações baleeiras. A formação da localidade de Piçarras se deu a partir da ocupação das margens do Rio Piçarras, que desemboca no Oceano Atlântico, na localidade que era chamada de “Parada”, pois era local de passagem e havia necessidade de atravessar o rio com embarcação. Nesse local, o Império instalou um entreposto para fiscalizar e cobrar taxas e impostos dos comerciantes que se deslocavam entre os núcleos de São Francisco e Desterro. A região de Penha e Piçarras conseguiu sua emancipação político-administrativa de Itajaí apenas em 1958, mas Piçarras permaneceu como distrito de Penha até efetivamente se emancipar em 14 de dezembro de 1963.

A ocupação

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   A presença negra em Santa Catarina, onde chegaram homens e mulheres escravizados, trouxe consigo saberes que, por meio de um processo de resistência e negociação, foram ressignificados e reinventados, contribuindo assim para a formação da sociedade catarinense (Costa, 2023).

      Nesse contexto, homens e mulheres escravizados e seus descendentes deixaram marcas  na construção histórica e cultural dos municípios de Penha e Balneário Piçarras. A Festa de Nossa Senhora do Rosário é um exemplo da presença  negra no território catarinense, que, no século XIX e XX era conhecida como “Natal dos Pretos”. Nessa celebração, há o protagonismo negro, com elementos da tradição e da herança africana  que os  negros escravizados trouxeram além-mar,  vivenciada e expressa de maneira única durante as celebrações.

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Cortejo na Penha, Tânia Rodrigues e Ivo Rodrigues são os pajens. A frente o grupo Moçambique. Acervo da Fundação Municipal de Cultura de Balneário Piçarras. (1986).

Territorialidade

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Mapa que indica as três cidades de Santa Catarina onde, atualmente, ocorre a festa de Nossa Senhora do Rosário.

    A festa de Nossa Senhora do Rosário,  celebrada em  Balneário Piçarras, abrange uma territorialidade que vai além da demarcação geopolítica  definida pelo município, estendendo-se às comunidades afro-brasileiras das cidades da região da Foz do Rio Itajaí-Açu e da região de Itapocu em Araquari. As comunidades que abrangem essa territorialidade estão ligadas pela manifestação cultural da comunidade afro-brasileira e pelo parentesco. Os rituais da festa, são expressões dessa territorialidade, que reforçam os laços entre os indivíduos e os espaços que ocupam, e que são fundamentais para a preservação da tradição da cultura afro-brasileira na região. Para Silva (1994), a festa implicava não especificamente um espaço geopolítico, mas sim a área  onde se percorria com as bandeiras arrecadando os donativos para a festa, abrangendo toda a região do vale do Itajaí. Assim, as comunidades continuaram, durante décadas, com lutas e resistências, ocupando seu espaço além dessas fronteiras geográficas e políticas estabelecidas, unidas por uma identidade afro-brasileira.

​​   Nos municípios de Balneário Piçarras, Itajaí e Araquari (comunidade Itapocu), a festa  de Nossa Senhora do Rosário acontece atualmente, representando a preservação da tradição da comunidade negra em Santa Catarina. O ritual dos cantantes e dançantes que acompanha os festejos nessas três cidades é conhecido como Grupo Catumbi, da localidade de Itapocu.  O rei e a rainha, escolhidos pela comunidade afro-brasileira da região, são coroados durante a celebração. A festa é  comemorada no mês de outubro, mês de homenagem à Nossa Senhora do Rosário, porém, até a década de 2010, ela acontecia no mês de dezembro. Atualmente, a festa é celebrada na Paróquia Santo Antônio de Pádua.  De acordo com Sebastião (2000, p. 24), “O dia consagrado à Nossa Senhora do Rosário no calendário da igreja católica é 07 de outubro, mas em Penha começou a ser realizada  na oitava de natal, dia 26 de dezembro”. Nos relatos orais, os participantes da festa alegam que, antigamente, não se realizava a celebração  em outubro devido às chuvas nesse período,  enquanto outros dizem que era realizada em dezembro, pois o dia 26 era o único em que os negros escravizados tinham liberdade. 

Igreja Santo Antônio de Pádua, em Balneário Piçarras.

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Fonte: Acervo de Cleiton Reinert (2023).

    A  festa de Nossa Senhora do Rosário é celebrada na região há décadas, mas, desde 1995, passou a ser realizada de forma ininterrupta, em Balneário Piçarras. A celebração é organizada por Ivo Rodrigues, Tânia Rodrigues, Maria Conceição Pereira, Mauricio Fernando da Rosa, Demian Belizário e Maria Paulina da Silva, com a colaboração de outras famílias afro-brasileiras da região, que também desempenham um papel fundamental na organização do evento. A festa segue a tradição das celebrações que ocorriam, ao longo do  século XX,  nas regiões  de Penha e Piçarras.

A festa

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Cortejo na região de Balneário Piçarras, a  frente o grupo Moçambique, liderado pela família Ignácio. Fonte: Acervo de Domingos Ignácio (1978).

​    A celebração é marcada pela coroação do rei e da rainha, que, no dia da festa, simboliza o fim do reisado. Nesse momento, também são apresentados  à comunidade os  próximos rei e rainha da festividade. O rei e a rainha são os participantes de maior destaque: eles guiam a comunidade até o dia da celebração, divulgam o evento  e arrecadam  doações para o almoço de confraternização realizado  na coroação. Eles são escolhidos previamente, e essa escolha carrega um grande significado, representando  respeito e reconhecimento. Nesse reisado de trabalho, o casal real tem a responsabilidade de organizar a festa ao longo do ano. O primeiro momento da organização é o chamado salvamento do rei, quando se forma toda a  equipe de trabalho, incluindo a apresentação dos juízes e pajens que acompanharão o rei e a rainha na caminhada até a coroação.

     Durante o período que antecede a festa, realizam-se  as novenas, nas quais os participantes  se reúnem para fazer preces, cantar e louvar em honra a Nossa Senhora do Rosário. As novenas expressam a presença  do catolicismo nas festas populares afro-brasileiras. Durante esses encontros, estão presentes os símbolos que representam a festa, como o rosário e a imagem da santa. Esse é o momento da preparação para o grande dia da festa, que culmina com a coroação do rei e da rainha.

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Momento da coroação da Rainha Pauline Priscila Rodrigues e do Rei Muillar Bento.

Fonte: Acervo de  Cleinton Reinert (2023).

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   No sábado à noite, véspera da festa, é  preparado um jantar em homenagem ao levante do mastro. Cabe ao juiz do mastro, que é escolhido pelo casal real, enfeitá-lo. Atualmente, o mastro é decorado com arco de flores nas cores azul e rosa, além de balões, ou, em outras ocasiões, com troncos de árvores. As cores azul e rosa foram escolhidas em referência ao manto de Nossa Senhora do Rosário. Esse elemento, portanto, permanece como um símbolo tradicional da festividade.

Registro  do cortejo de Nossa Senhora do Rosário na região de Piçarras, em 1947.

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Fonte: Acervo de Iliane Fleith.

Apresentação do Catumbi no salão Paroquial da Igreja Santo Antônio de Pádua.

​     Atualmente, a festa destaca-se como um importante espaço de luta  antirracista, reafirmando e valorizando as tradições, a memória e a identidade negra. Mais do que uma expressão religiosa, trata-se de  um ato de afirmação cultural e política. Ao celebrar a ancestralidade africana, as comunidades mantêm  um legado de resistência  ao racismo e de  afirmação da cultura negra.

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Fonte: Acervo de Cleiton Reinert (2024).

REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS

CARVALHO, Aldair Nascimento. Catumbi & Senhora do Rosário. Sinhô Rei e Rainha ô... O Recebe a coroa ô... As representações sociais do Grupo Catumbi e da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário de Itapocu sob o olhar das comunidades negras de Araquari e entorno. Dissertação (Mestrado em Patrimônio Cultural e Sociedade) – Universidade da Região de Joinville, Joinville, 2012.

 

COSTA, Moacir da. Quando a festa é a resistência: o Movimento Negro e a Festa do Rosário em Itajaí (1992-2022). 2023. Dissertação (Mestrado) – Universidade da Região de Joinville, Joinville, 2023.

 

 

GOULART, Maria do Carmo Ramos Krieger. Rosário/Moçambique/Natal dos pretos: tem festa na Penha. Florianópolis: M. C. R. K., 1990.

 

KRYSZCZUN, Carla Aline. Memórias nossas: um caleidoscópio  de emoções. Balneário Piçarras, SC: Oficina, 2024. 

 

SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem a Curitiba e Província de Santa Catarina. Belo Horizonte: Itatiaia, 1978.

 

SEBASTIÃO, Rafael, S. O rosto Afro de Penha. Itajaí: Ed. Do autor, 2000.

SILVA, Ana Paula da. Alma na voz e mãos no tambor: Catumbi de Itapocu – uma fonte de criação musical. 2020. Dissertação (Mestrado) – Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis, 2020.

SILVA, José Bento Rosa da. Festa de preto em terra de branco: história oral, memória e identidade em Santa Catarina. Dissertação (Mestrado) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 1994.

SILVA, José Ferreira da. História do município da Penha. Curitiba: A Imprensa, 1971.

SILVEIRA, Janete Jane Cardoso; SANTOS, Roselys Izabel Corrêa dos. Em busca da identidade perdida: subsídios para uma política integrada de comunicação em turismo cultural nos municípios de Piçarras e Penha (SC). In: RUSCHMANN, Doris; SOLHA, Karina Toledo (org.). Planejamento em turismo. São Paulo: Manole, 2006.

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